'Quando jogo futebol, estou segura.'

Bhumika Regmi  | 

Complexo da Pehna (Cortesía de Sabine van Wechem)

Complexo da Pehna (Cortesía de Sabine van Wechem)

Nas favelas mais violentas do Brasil, algumas meninas encontram consolo no futebol — e entre si.

Ouvir disparos de armas de fogo é algo comum no Complexo da Penha. Mas uma vez por semana, os moradores dessa favela brasileira também ouvem bolas de futebol batendo nas traves e garotas se divertindo.

Rebeca, Dryka e Jéssica são três atletas que encontram consolo no campo de futebol em um dos bairros mais violentos do Rio. É um lugar para que as meninas brinquem juntas — e também é o único lugar onde elas estão seguras fora de casa.

(Cortesía de Sabine van Wechem)

(Cortesía de Sabine van Wechem)

A Street Child United construiu o campo para dar às meninas um espaço para jogar sem medo. A organização convenceu os moradores locais, a polícia e até mesmo os membros das gangues a declarar o campo de futebol fora dos limites das armas e da violência que flagelam o resto da favela.

Quase um quarto da população do Rio de Janeiro vive em favelas — comunidades urbanas de baixa renda no Brasil. A superpopulação, a pobreza e a violência muitas vezes forçam as meninas a abandonar a escola nessas comunidades. “Eu adoro a escola. Tenho ótimas amigas lá. Mas é difícil frequentar quando há tiroteios”, explica Rebeca, 16 anos. A polícia está em constante conflito com gangues de drogas fortemente armadas em seu bairro. Em média, um morador do Rio é atingido por uma bala perdida a cada sete horas.

Rebeca, 16

Rebeca chutou uma bola de futebol pela primeira vez aos 11 anos. Agora ela sonha em jogar profissionalmente um dia.

“O futebol me fez acreditar que qualquer coisa é possível”, afirma ela. “É o meu porto seguro longe das drogas. Eu costumava ter muitos amigos que estavam envolvidos com traficantes e que usavam drogas. Eu não sabia como lidar com isso porque queria algo diferente.”

A família de Rebeca a apoia para jogar futebol agora, mas nem sempre foi assim. “Futebol é coisa de homem”, lembra-se deles dizerem. Apesar da desaprovação, Rebeca entrou para um time. E não demorou muito para convencê-los de que ela é uma “guerreira” e que tem “as mesmas capacidades” que os meninos.

Embora sonhe com uma carreira no futebol, Rebeca reconhece a importância da educação: “Precisamos de estudo para construir nossas vidas.” Mas muitos de seus colegas deixaram de ir à escola por causa dos perigos de chegar até lá — e Rebeca nem sempre tem certeza de que quer correr o risco.

(Cortesía de Sabine van Wechem)

(Cortesía de Sabine van Wechem)

Jessica, 26

Quando jovem, Jessica se envolveu com traficantes e começou a fazer contrabando na fronteira paraguaia. “Eu não gostava, mas pagava as contas”, explica ela. “Eu sentia que não tinha escolha.”

Jessica diz que sua vida mudou completamente quando conheceu a Favela Street Foundation, uma organização que ensina jovens a se tornarem treinadores de futebol independentes em seus bairros. A organização ajudou Jessica a deixar o tráfico e a descobrir sua ambição de jogar futebol: “Agora sou treinadora… e amo isso. As pessoas me tratam com mais respeito, e agora sou um exemplo para os outros. Posso dizer que sou um modelo a ser seguido.”

Mas Jéssica teme que, se as gangues e a polícia continuarem em conflito, ela terá que parar de jogar de novo.

“Eu quero continuar com meus estudos para ter mais chances de conseguir um trabalho melhor e um futuro melhor”, afirma ela. Jéssica é uma das poucas meninas da comunidade que concluíram a escola. Ela espera entrar em uma universidade.

Jéssica está frustrada pelo que vê ao seu redor: “É muito difícil para meninas ou meninos frequentarem a escola aqui. A economia no Brasil está indo mal, não há dinheiro para os professores e as escolas estão decadentes. O nível de educação é muito baixo, especialmente nas favelas. Isso precisa mudar!”

Ela encontra felicidade no futebol e nas crianças que ela ensina. É por isso que ela espera que outras meninas que querem jogar futebol “nunca desistam dos [seus] sonhos”.

(Cortesía de Sabine van Wechem)

(Cortesía de Sabine van Wechem)

Dryka, 21

Dryka é uma entre 10 irmãos. Ela cresceu sem eletricidade, sem TV e sem fogão: “Quando criança, eu não tinha muitos brinquedos. Só tinha uma bola. Foi aí que comecei a jogar futebol.”

Hoje, Dryka é capitã de seu time de futebol da Favela Street. Ela também trabalha com o Street Child United Brasil e ajuda meninas que enfrentam os mesmos desafios que ela enfrentou. Com seu trabalho, Dryka incentiva crianças nas favelas a praticar esportes e a continuar os estudos.

Dryka tutora Rebeca e outras meninas em sua comunidade agora (Cortesía de Sabine van Wechem)

Dryka tutora Rebeca e outras meninas em sua comunidade agora (Cortesía de Sabine van Wechem)

Dryka concluiu o ensino médio e quer entrar em uma universidade. Ela quer se tornar técnica de futebol um dia.

Rebeca, Jéssica e Dryka não sabem o que o futuro espera, mas sabem que, uma vez por semana, podem contar com o apoio mútuo no campo de futebol.

Obrigado à Favela Street Foundation por facilitar nossa conversa com Rebeca, Jessica e Dryka.

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Bhumika Regmi

(she/her) is digital director at Malala Fund. She loves dogs and plans on naming her future puppy Mochi, after the Japanese treat. Find her on Linkedin.