Como nosso grupo liderado por garotas conseguiu que o governo estadual reduzisse os impostos sobre produtos menstruais

Helena Branco  | 

(Crédito Helena Branco)

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Helena Branco, estudante de 18 anos, escreve sobre sua participação na luta para acabar com a pobreza na menstruação no Brasil.

Tudo começou com uma mensagem da minha querida amiga Maria Antônia, jovem ativista e estudante de direito. “Vocês sabiam que absorventes íntimos não são considerados produtos essenciais pela legislação brasileira?”, ela perguntou em nosso grupo de jovens líderes no WhatsApp. “Vocês sabiam que a maioria das cestas básicas distribuídas durante a pandemia não inclui produtos menstruais?”. Eu não sabia. 

Me pareceu inacreditável que o governo não considerasse como essenciais produtos que garantem um período menstrual saudável, afinal, a menstruação é um processo biológico fundamental. Mais tarde, descobri que no estado onde eu moro, São Paulo, os impostos representam 34% do preço dos produtos menstruais. Ao pensar nas pessoas que menstruam e que não têm acesso a tais produtos, senti uma chama de indignação acender dentro de mim. Motivadas a fazer algo a respeito, minhas amigas do grupo de WhatsApp e eu, decidimos reunir outras garotas para falar sobre esse problema e garantir que a pandemia não impedisse que pessoas que menstruam tivessem acesso a produtos menstruais.

Recrutar nossa equipe e obter o apoio necessário para desenvolvermos uma campanha não foi um problema. Minhas amigas e eu fazemos parte do Girl Up, um movimento global pela igualdade de gênero da Fundação ONU, que treina, inspira e conecta meninas ajudando a posicioná-las como líderes e agentes da transformação. Decidimos então concentrar nossos esforços na comunidade do Girl Up Brasil, que nos daria todo o apoio. O primeiro passo foi criar um grupo no WhatsApp e reunir todas as líderes interessadas na questão.

((Crédito Helena Branco)

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Porém, antes de começarmos de fato a mobilização, demos um importante passo para entender ao máximo a questão que queríamos resolver. Iniciamos nossa pesquisa na internet com os principais sites de notícias do Brasil e depois, para verificar sua confiabilidade, fomos direto às fontes, que geralmente eram de organizações como ONU Mulheres, UNFPA e UNICEF. Por fim, aprendemos que o problema que queríamos resolver era a pobreza menstrual, que se refere não apenas à falta de acesso a produtos menstruais, mas também a informações sobre menstruação e saneamento básico para passar pelo período menstrual de maneira saudável.

Uma das coisas que mais me chamou atenção foi o fato de que no Brasil nunca houve uma pesquisa nacional para entender a conexão entre pobreza menstrual e indicadores básicos como saúde, educação ou situação socioeconômica. Apesar da falta de informação que torna evidente o quanto a pobreza menstrual tem sido negligenciada, ainda podemos ter uma ideia do tamanho do problema analisando alguns dados.

De acordo com o Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP) da OMS e UNICEF, no Brasil, 39% das escolas não possuem estruturas básicas para lavar as mãos, o que afeta cerca de 16 milhões de estudantes. Além disso, aproximadamente cinco milhões de brasileiros vivem em habitações sem banheiros. Ao olharmos esses dados, é importante estarmos atentos como eles impactam diretamente a educação. O Painel Saneamento Brasil estima que, em média, jovens com saneamento básico em casa completam quatro anos a mais de escola do que aqueles sem esses recursos.

Apesar desses dados não contarem com uma separação por gênero, não sendo possível portanto dizer precisamente como a menstruação impacta essa situação, é um raciocínio fácil. Como uma menina durante o período menstrual vai para a escola sabendo que lá ela não terá acesso a instalações básicas para trocar o absorvente ou lavar as mãos? Se ela não tiver dinheiro para comprar produtos menstruais suficientes ou não os tem por qualquer outra razão, como o estresse e a ansiedade resultantes disso irão impactar a atenção dela nas aulas?

Confrontadas por essa realidade alarmante, nosso grupo de jovens líderes organizou uma reunião para que pudéssemos transformar nossa indignação em transformação. Apesar da complexidade do problema, nós decidimos começar nossa mobilização com uma resposta emergencial de curto-prazo. Como durante a pandemia os números de desemprego aumentaram muito, e grupos marginalizados enfrentavam uma realidade ainda mais dura, decidimos focar nossos esforços inicialmente em doar produtos menstruais para pessoas em situação de vulnerabilidade social e financeira. Para isso, criamos a campanha #AbsorventeUrgente para mobilizar a arrecadação de produtos menstruais a serem doados para ONGs e organizações comunitárias que estivessem distribuindo cestas básicas durante a quarentena. De 6 a 19 de abril de 2020, 16 clubes Girl Up de sete estados brasileiros participaram da campanha para abastecer as pessoas que menstruam mais afetadas pela pandemia.

A maioria dos clubes arrecadou doações de produtos e / ou arrecadou dinheiro para comprá-los, já que existem várias plataformas online de “vaquinhas”. Meu clube fez as duas coisas. Deixamos caixas nas áreas comuns de nossos prédios com cartazes explicando a campanha para que as pessoas pudessem doar os itens. Depois os coletávamos e limpávamos, sempre seguindo as recomendações de segurança da OMS. No entanto, a arrecadação de dinheiro em plataformas virtuais trouxe de longe os melhores resultados. As pessoas engajadas em nossa campanha podiam ver em tempo real quanto dinheiro havia sido arrecadado e o quanto faltava para alcançarmos nosso objetivo. A maioria das doações veio de amigos e familiares dos membros do nosso clube, então focamos nossas mensagens de mobilização para esse público, além de realizarmos uma campanha de divulgação na conta do Instagram do nosso clube. 

Ao final, a campanha enviou doações para 27 organizações, distribuindo mais de 60.000 produtos menstruais, arrecadando R$14.000 e impactando mais de 3.000 pessoas. Mesmo assim, ao final da #AbsorventeUrgente sabíamos que uma mudança a longo prazo era necessária para sustentar nosso movimento. Já que a pobreza menstrual é fortemente sustentada pelos tabus que limitam o acesso à informação sobre esse processo natural, precisávamos promover conversas sobre educação menstrual para que as pessoas pudessem conhecer mais sobre esse processo natural e tomar decisões informadas e confiantes sobre seus ciclos menstruais. 

Já que a pobreza menstrual é fortemente sustentada pelos tabus que limitam o acesso à informação sobre esse processo natural, precisávamos promover conversas sobre educação menstrual para que as pessoas pudessem conhecer mais sobre esse processo natural e tomar decisões informadas e confiantes sobre seus ciclos menstruais.
— Helena Branco

Com isso em mente, organizamos uma campanha de conscientização virtual para celebrar o Dia da Higiene Menstrual. Durante uma semana, criamos postagens informativas nas mídias sociais sobre os aspectos biológicos, históricos, sociais e políticos da menstruação, e compartilhamos livros, filmes e organizações lideradas por meninas que tem como foco a pobreza menstrual. Organizamos webinars no Instagram e no Zoom conduzidos por meninas e com palestrantes convidados. Discutimos a fisiologia da menstruação, menstruação e sustentabilidade, pobreza menstrual, o papel do governo na igualdade menstrual com uma deputada e muitos outros tópicos.

Além de terem sido um sucesso, nossas campanhas nos mostraram o quão potente era nosso poder de mobilização de pessoas e recursos. Ainda assim, ao longo dessas campanhas não esquecemos o questionamento que inspirou nossas ações: os impostos sobre os produtos menstruais. Sabíamos que era necessária uma mudança nesse sistema desigual e arcaico e que precisávamos fazer com que pessoas na política vissem a dignidade menstrual não apenas como “uma questão íntima de meninas e mulheres”, mas uma questão de direitos humanos. Logo, lideradas pelo clube Girl Up Elza Soares, levamos nossa luta para o governo.

O primeiro passo do clube foi fazer networking com pessoas que trabalhavam na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Dessa forma, foi possível encontrar deputados que possuíam um histórico com a pauta da igualdade de gênero e que teriam disposição para apoiar nossas ideias. O passo seguinte foi marcar três reuniões com diferentes assessores, as pessoas que ajudam a organizar os mandatos de deputados. O clube conta que aquela foi a oportunidade perfeita para informar os membros da Assembleia Legislativa sobre o Girl Up, o clube e a proposta para promover a equidade menstrual.

(Crédito Helena Branco)

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Na última dessas reuniões aconteceu algo inédito: além de seu assessor, um deputado estadual decidiu também entrar na reunião por conta de seu interesse em nossa proposta. Foi uma reunião decisiva. Depois da conversa, o deputado concordou em ajudar a escrever um projeto de lei e posteriormente apoiá-lo na Câmara. Assim que o clube conseguiu o apoio, era hora de começarem a redigir o projeto de lei. Embora ninguém no grupo tivesse ideia de como fazer isso, aprenderam a estrutura e os termos técnicos usados ​​em um projeto de lei estudando outras leis sobre a questão dos produtos menstruais e das cestas básicas.

Só o fato de termos colocado pobreza menstrual na pauta do Congresso do Rio de Janeiro já era uma vitória pois era um passo importantíssimo para acabar com os tabus. No entanto, conseguimos ir além. Como resultado de nosso movimento liderado por meninas, no dia 2 de julho de 2020 o estado do Rio de Janeiro aprovou o projeto de lei do clube Girl Up Elza Soares, reduzindo impostos sobre produtos menstruais e tornando-os mais acessíveis. 

Lembro de chorar de felicidade. Era extremamente emocionante ver que nosso movimento liderado por meninas que havia começado como uma colaboração comunitária, agora havia evoluído para uma mudança estrutural. No entanto, não paramos por aí. Hoje, temos projetos de lei sobre pobreza menstrual na pauta de outros sete estados e temos projetos em desenvolvimento em outros cinco.

Nosso movimento, Meninas Contra a Pobreza Menstrual, tem o potencial de alcançar todas as meninas em todos os cantos do Brasil. Nosso próximo objetivo é ajudar a aprovar uma lei nacional que busque soluções para a pobreza menstrual em todas as suas nuances. A discussão nacional que estamos iniciando é apenas um primeiro passo. Estamos determinadas a continuar usando nosso poder de transformação social para repensar estigmas e redesenhar políticas públicas, garantindo que as vozes das meninas sejam escutadas e incluídas nos processos de tomada de decisão.

Você vê uma menina, nós vemos o futuro. 

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Helena Branco

is an 18-year-old gender equality activist from São Paulo, Brazil. She is the founder of the gender equality club Girl Up Somos Plurais, a Women Deliver Young Leader and a Girl Up Teen Advisor alumna. You can follow her on Instagram and LinkedIn.