Do extremo sul de São Paulo para os corredores do Congresso Nacional: conheça uma das mais jovens deputadas brasileiras
(Cortesia de Huffington Post)
Tabata Claudia Amaral de Pontes, 24 anos, vem mostrando às meninas que elas pertencem às salas de aula e aos cargos políticos.
Uma das mais jovens deputadas federais eleitas do país tem um recado para as meninas: “esses lugares também são para nós”.
Tabata Claudia Amaral de Pontes cresceu na Vila Missionária, bairro pobre da periferia de São Paulo. Seu pai era cobrador de ônibus e sua mãe trabalhava como diarista. Quando criança, Tabata não imaginava que seguiria uma carreira política. “Ninguém da minha família cursou o ensino médio. Eu cresci fazendo bordados e pensava que aquilo era o que eu sempre iria fazer, como qualquer outra pessoa do meu convívio”, ela conta.
Essa trajetória mudou quando Tabata competiu em uma olimpíada de matemática no ensino médio, graças ao estímulo de um professor. Ela ganhou uma bolsa de estudos que mudou sua vida e se tornou a primeira pessoa da família a se formar no ensino médio, além de ser uma das poucas mulheres de sua comunidade a frequentar uma universidade (para cursar astrofísica e ciências políticas).
(Cortesia de Marcelo Brandt)
Em outubro do ano passado, os eleitores de São Paulo elegeram Tabata para o Congresso Nacional, como deputada federal. Com apenas 24 anos, ela foi a sexta candidata com o maior número de votos no estado. Hoje, Tabata realiza incansáveis campanhas em prol da reforma educacional, do investimento em professores e da representação de mulheres na política. Como fundadora do Movimento Mapa Educação, Tabata trabalha no engajamento de jovens na luta por uma educação de qualidade para todos os brasileiros.
Conversei com Tabata sobre o seu ingresso na política, sua experiência como jovem líder feminina e sobre a importância da representação e da orientação para meninas.
Bhumika Regmi (BR): Vamos começar falando sobre como você se sente sendo uma mulher de 25 anos no Congresso Nacional.
Tabata Amaral de Pontes (TAP): Eu já defendo a educação há 10 anos, e, depois de um tempo, você percebe que nada vai mudar se a política não mudar ou se os políticos não mudarem. Então, embora essa seja a coisa mais difícil que já fiz, sei que minha voz terá um impacto muito maior.
BR: Quais são alguns dos aspectos difíceis desse trabalho?
TAP: A minha idade e o fato de eu ser mulher têm uma importância muito maior do que o esperado. Antes, o que eu vestia ou dizia não importava muito. Agora tenho que ser muito mais cuidadosa.
BR: Conte um pouco sobre a sua história, onde você nasceu e como foi sua criação.
TAP: Em um bairro pobre de São Paulo, minha vida era como a de qualquer outra pessoa ao meu redor, até que tive uma grande oportunidade para participar de uma olimpíada de matemática. Um professor acreditou em mim, deu o primeiro empurrão e me ajudou a competir. Com isso, consegui uma bolsa de estudos para uma escola particular, e tudo mudou. Essa foi a primeira vez que alguém me perguntou o que eu faria no futuro e qual seria a minha profissão. Estar na escola me ajudou a ver um futuro para mim mesma quando ninguém mais via.
BR: Por que é importante para as meninas ver pessoas como elas em cargos de liderança?
TAP: Muitos dos nossos políticos acham que está tudo bem se todos os deputados, ministros e secretários forem iguais. Quando eu estava na escola pública, era muito difícil para mim me ver em um cargo importante. Mas não porque eu não fosse inteligente o bastante, e sim porque eu nunca tinha visto alguém como eu nessas posições. E aí, você simplesmente aceita que essas posições não são para você. É por isso que a representação significa muito. Quando uma garota ocupa um espaço que normalmente não é para nós, estamos dizendo para outras garotas que isso pode ser mais difícil, mas que esses lugares também são para nós.
“Estar na escola me ajudou a ver um futuro para mim mesma quando ninguém mais via.”
BR: Você frequentou a Universidade de Harvard com uma bolsa de estudos integral. O que isso significou para você e para a sua comunidade?
TAP: No começo eles não entendiam muito bem, já que as pessoas da minha comunidade não sabem o que é a Harvard – isso está muito longe da nossa realidade. Na faculdade, recebi oportunidades educacionais que a maioria das pessoas com quem eu cresci jamais teria. Eu pude literalmente escolher meu futuro.
BR: Você concorreu nas eleições dois anos após ter se formado na faculdade. Conte-me sobre a transição de estudante de física para uma figura política.
TAP: Quando cheguei a Harvard, tinha medo de que alguém descobrisse que eu não devia estar lá, que eu não era boa o suficiente, que tinha sido um erro. Mas quando fiz amigos e comecei a contar minha história – sobre como perdi meu pai para as drogas, como tinha sido difícil pagar minhas refeições, como durante a toda a minha vida eu tinha ouvido dizerem que eu não era boa o bastante –, deixei de sentir vergonha e passei a sentir orgulho de mim mesma. Foi nessa época que mudei meu curso para Ciências Políticas. Achei que talvez devesse contar minha história para outras meninas e dizer a elas que era possível se tornarem astrofísicas, terem um cargo político e serem qualquer outra coisa que elas quisessem.
BR: Sua idade e sexo atrapalham seu trabalho no Congresso?
TAP: No início, as pessoas não acreditavam que eu fosse candidata. Elas me pediam algum tipo de certificado para provar que eu era elegível [para concorrer], mesmo que tal certificado não exista. Sempre me dizem que sou muito sensível ou agressiva demais, e as pessoas me interrompem mais do que aos outros. Muitos membros do Congresso me chamam de “deputadinha”. Eles tentam dizer isso de uma forma carinhosa, mas a gente se sente diminuída. Eu sou uma das representantes mais votadas por aqui. Então por que não sou tratada da mesma forma que os representantes do sexo masculino? Por que o “-inha”?
BR: Em geral, como é a vida das mulheres e das meninas no Brasil?
TAP: É muito difícil começar uma conversa sobre desigualdade salarial, desigualdade na educação, violência, porque as pessoas não acreditam que esses problemas existem no Brasil. As meninas crescem vendo essa desigualdade e acreditando que isso é tudo o que elas merecem. Quando eu era mais jovem, muita gente achava que eu era um menino disfarçado de menina e que só por isso eu era tão boa em matemática. Um garoto me disse uma vez que eu nunca iria me casar ou ter filhos porque eu era muito masculina, só por eu ser a única garota nas aulas de química.
BR: Por que você está fazendo campanha pela reforma educacional?
TAP: A qualidade da educação no Brasil é muito fraca. De 100 crianças que se formam no ensino médio, apenas sete conseguem fazer cálculos básicos e somente 30 sabem ler e escrever. Temos uma das mais altas taxas de gravidez precoce da América Latina. As meninas deixam a escola e ficam em casa. Acabam adquirindo uma baixa autoestima e não sonham em ter um bom emprego ou ir para a faculdade. Além disso, mesmo as crianças que ficam na escola não aprendem nada — nenhuma capacitação e nada sobre os seus direitos. É por isso que estou pedindo investimentos para professores. É disso que precisamos se quisermos melhorar as escolas públicas no Brasil.
BR: Como deputada federal, que mudanças você quer trazer para o governo?
TAP: Iniciei um programa de orientação para ajudar jovens mulheres que queiram entrar para a política. Não me orgulho de ser a única mulher da minha idade no Congresso Nacional. Vou sentir orgulho quando puder levar para lá muitas outras como eu.
Esta entrevista foi editada e resumida para maior compreensão.
Os pontos de vista e opiniões manifestados por autores individuais são de sua própria autoria e não refletem necessariamente as diretrizes e o posicionamento do Fundo Malala.
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